O desenvolvimento tecnológico alterou profundamente as bases materiais da sociedade. A difusão de conteúdo e conhecimento, a modificação nos modelos de negócios e relacionamento, além de alteração no comportamento dos indivíduos representam alguns pontos de mudança. Também a automação tem promovido desafios ao trabalho e à tributação, bem como à sua modernização, de forma a acompanhar as novas práticas comerciais e a dinâmica da política e da economia.
Apesar de as tecnologias acima expostas serem imbuídas com mecanismos de inteligência artificial (IA), evidencia-se que seu potencial impacto no mercado de trabalho é reduzido. Diferentemente, a transformação proporcionada pela Indústria 4.0, com o uso intrínseco da IA, tem o condão de substituição em massa dos postos de trabalho ou mesmo implicar o desaparecimento de determinadas atividades como, por exemplo, a de motorista, operador de caixa, contador, operador industrial, operador de telemarketing, tradutor, atendente comercial, trabalhador de linha de montagem, radiologista, operador de armazém, analista de estoque, inspetor de controle de qualidade, caminhoneiro, assistente jurídico (Lee, 2019, p. 27).
A aplicação da IA aos meios de pagamento, com o advento das criptomoedas e blockchain, também representa um desafio à manutenção da arrecadação, já que admite a ocorrência de transações econômicas em ambiente ainda não plenamente regulado [1].
Robot tax
Nesse contexto, o progresso da IA e o caminho atual da automação robótica representam grandes desafios para o Direito e, particularmente, ao Direito Tributário. Observam-se diversos estudos sobre a possibilidade de se tributar tais sistemas inteligentes, seus usuários ou grandes companhias de tecnologia, como forma de mitigar o decréscimo dos postos formais de emprego, reduzir a desigualdade e suprir a perda de arrecadação decorrente deste fator.
“This monetary control takes many forms. It can be nonspecific, for instance, when the government distributes or collects physical currency or adjusts the rate at which banks can borrow funds (the federal funds rate). Or it can be specific, as when the government issues currencies that have restricted uses, such as food stamps. The government can also strongly influence, if not control, the use of private assets by creating incentives or disincentives. For instance, permitting tax deductions for charitable contributions has the intended effect of increasing philanthropy, while early-withdrawal penalties from retirement accounts encourage saving. Or the government can simply prohibit the use of assets for certain purposes or under certain circumstances, such as making it illegal to purchase drugs without a prescription. So not only does the government have considerable control over how assets are distributed and used, it can also create new and restricted forms of assets to promote social goals. This offers the possibility of redistributing wealth in ways that are more palatable than taxing the rich to subsidize the poor” [2].
Debate-se, pois, sobre a extinção de incentivos para investimentos em automação, ou a instituição de um tributo sobre robôs como estratégia governamental por meio da qual a tributação teria a função fiscal de financiamento de despesas de seguridade social, além do custeio das despesas gerais do Estado. Como função extrafiscal, seria responsável pelo desencorajamento da substituição de mão-de-obra humana, de forma a promover a transição compassada da força humana para as máquinas, gradação que possibilitaria maior controle governamental nesse processo.
Impasse
Todavia, tal como o impasse na definição tributária de serviços típicos da economia digital, como aqueles prestados pela Uber, Netflix, Airbnb, Spotify, Amazon dentre outros, a estruturação de um possível robot tax enfrenta diversos desafios para sua concepção. Algumas das dificuldades residem na conceituação de robôs e a diferenciação entre ‘robôs inteligentes’ e máquinas, a sua natureza jurídica, além do tratamento tributário adequado, no qual se evidencia a oportunidade da incidência do tributo sobre a propriedade do robô ou sobre a capacidade do próprio robô, mediante a atribuição de personalidade jurídica, dentre outras propostas.
A identificação do robô ao qual o imposto se aplicaria é relevante na medida que existem diversos níveis de automação. Diferentemente dos casos usuais de robôs que deslocam trabalhadores dos postos de trabalho tradicionais, como carros e caminhões de transporte autônomos, os caixas eletrônicos e terminais de check-in de companhias aéreas, por exemplo, não são tradicionalmente considerados robôs, mas na condição de dispositivos automatizados, reduzem o número de empregos disponíveis para humanos.
Outra dificuldade reside na distinção entre robôs que substituem o trabalho humano daqueles que suplementam o trabalho humano. Por exemplo, uma empresa de mineração subterrânea que utiliza um robô visando ao acesso a locais potencialmente instáveis para lavra, torna o procedimento mais seguro para seres humanos, de modo que um imposto sobre todo e qualquer robô aumentaria o custo de propriedade e da operação de tal modo que, se a utilização do robô fosse economicamente inviável, vidas humanas seriam arriscadas para fazer o trabalho. A propósito, as considerações de Kovacev (2020, p. 27):
“The worst possible robot tax legislation would have an ambiguous all-embracing definition of what a taxable robot is, would require an allocation between robot-generated and non-robotgenerated income, and would attempt to tax activity by robots that are, or could easily be moved, outside the jurisdiction. Such a proposal would invite controversy and litigation and disincentivize innovation while doing little to address the underlying challenges of automation on employment or government revenues” [3].
Iniciativas
Em vista da importância dos aspectos conceituais, percebem-se iniciativas alguns países para superação dessas questões. Sobre a diferenciação entre robôs e máquinas, a Comissão de definições da Resolução do Parlamento Europeu sobre Inteligência Artificial considera inteligente o robô que apresenta aptidão para (1) aquisição de autonomia através de sensores e/ou da troca de dados com o seu ambiente (interconetividade) e da troca e análise desses dados; (2) autoaprendizagem com a experiência e com a interação (critério opcional); (3) possuir suporte físico mínimo; (4) adaptação do seu comportamento e das suas ações ao ambiente; e (5) inexistência de vida no sentido biológico do termo [4].
Dentre as recomendações constantes no documento, ressaltam-se também a constituição de sistema de registo de robôs avançados no mercado interno, a criação de um regime de seguros obrigatórios e fundos de compensação para cobrir os danos potencialmente causados pelos robôs, além de taxa pontual a ser paga no momento em que se coloca o robô no mercado, ou a instituição de pagamento de contribuições periódicas durante o tempo de vida do robô.
Dessa forma, a autonomia, a habilidade para aprendizado e a capacidade de tomada de decisão seriam as principais características na conceituação do robô inteligente. Essas noções importam para a conjectura de se atribuir uma personalidade jurídica a um robô, cuja hipótese também se encontra na resolução acima mencionada:
“Insta a Comissão a explorar, analisar e ponderar, na avaliação de impacto que fizer do seu futuro instrumento legislativo, as implicações de todas as soluções jurídicas possíveis, tais como:
(…)
f) Criar um estatuto jurídico específico para os robôs a longo prazo, de modo a que, pelo menos, os robôs autônomos mais sofisticados possam ser determinados como detentores do estatuto de pessoas eletrônicas responsáveis por sanar quaisquer danos que possam causar e, eventualmente, aplicar a personalidade eletrônica a casos em que os robôs tomam decisões autónomas ou em que interagem por qualquer outro modo com terceiros de forma independente” [5].
Alternativas
Em âmbito nacional, para fins de tributação e ciente de que o Direito brasileiro não restringe a atribuição de personalidade jurídica ao ser humano, a fundamentação sobre a criação de personalidade jurídica para robôs perpassa ficção jurídica semelhante ao processo de atribuição de personalidade jurídica a sociedades empresárias, associações e fundações, em exercício analógico.
Considerando que seja possível atribuir personalidade a robôs, poderiam, tal como a pessoa jurídica, ter capacidade tributária própria e, neste caso, seria plausível arranjos como a tributação de renda presumida auferida pelo robô, calculada como uma porcentagem do valor de sua produção ou com base em um salário fictício que seria pago a um ser humano com habilidades semelhantes, ou a dedução do salário presumido por tal pessoa, ou mesmo a instituição de contribuições sociais sobre o salário presumido do robô.
Essa alternativa esbarra na dificuldade em se avaliar tal renda, especialmente se um robô fizesse parte de uma equipe de robôs ou de uma equipe mista com seres humanos responsáveis pela produção da empresa. Além disso, há a possibilidade de as funções nunca terem sido exercidas por seres humanos, de forma que não haveria base para referência da renda humana no cálculo dos impostos que esses robôs devem pagar.
Outra possibilidade reside no aumento da carga tributária suportada por empresas que se valem de automação para obter lucros maiores. Essa alternativa decorre da visão de que a automação de tarefas contribuirá para salários mais baixos para os trabalhadores e maiores lucros para aqueles que possuem os robôs, agravando o quadro de desigualdade social.
Nesse caso, a tributação seria destinada a empresas de tecnologia multinacionais com alto faturamento global. Essa proposta é objeto do Projeto de Lei nº 2.358/2020 em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende instituir a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes empresas de tecnologia (Cide-Digital), cuja arrecadação seria destinada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Cita-se, também, a viabilidade da configuração do robot tax pautado na propriedade, na forma de imposto especial aplicado na compra de um robô ou sobre as taxas de licença pagas por uso de mecanismos que contêm IA, nos moldes do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que tem como fato gerador a propriedade do veículo automotor de qualquer espécie.
Ainda nessa linha, poderia haver o estabelecimento de imposto de capital cobrado sobre os robôs de propriedade de uma empresa, baseado em valor anual avaliado multiplicado por uma taxa de fábrica, ou ser baseado no valor contábil dos robôs. Esse tipo de tributação encontra dificuldades especialmente na classificação entre máquinas e robôs, visto que a distinção não é clara.
Por fim, tem-se a alternativa baseada na extinção de incentivos para investimentos em automação. No País, os incentivos fiscais ao desenvolvimento e produção de bens e serviços de informática e automação são voltados a empresas que invistam em atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação, por meio da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. prevista na Lei nº 8.191/91.
Conclusão
Percebe-se, portanto, que são várias as questões para que se pudesse instituir um imposto sobre robôs. Foram exploradas algumas opções, umas mais factíveis no campo político, outras com especulação menos convencional. É um tema que já está em discussão e que faz parte da agenda política em diversos países, relacionados a aspectos legais e regulatórios, civis, tributários e sociais com vias de possibilitar a definição dos objetivos e metas de política fiscal a serem alcançados.
Evidente que as opções hoje debatidas contêm diversas falhas, cada espécie de tributação poderia trazer impactos na localização de estabelecimento das empresas, bem como nas decisões de investimento. Essas ideias não devem ser tomadas como exaustivas ou prescritivas, mas sim como incentivo à discussão e novas propostas.
Ainda que não se tenha uma resposta óbvia para a problemática, o tema é pertinente às questões de política tributária que surgirão ao longo das próximas décadas do século 21. Como ressalta Kaplan, (2016, p. 133), alterar as “regras do jogo” para que a riqueza gerada chegue a um grupo mais amplo de pessoas antes de se acumular nas mãos de uma elite, será mais fácil do que distribui-la após o fato. Assim, ao pensar a questão como um cenário exequível, possibilita que o país crie alternativas para a agenda tributária compatíveis com as premissas e propósitos das políticas econômicas e sociais nacionais.